domingo, abril 03, 2005

O meio segundo - 2

Cansou de devassar o banheiro à procura do que não existia. Também encheu o saco de examinar over and over o mesmo rosto: deu-se conta de que olhar para o espelho demais nunca adianta, é um puro exercício mental, e dos inúteis. Por mais que mude, você terá sempre a mesma essência. E vai achá-la sempre no seu reflexo. Inconformado por não descobrir o que havia de errado, e com seu amor já ganhando a porta, pensou que não haveria o que fazer: viveria este dia e talvez mais alguns com a pulga atrás da orelha.

Veio-lhe de repente uma vontade de beber. Odiava sentir-se inseguro, ser o objeto de olhares ou sorrisos estranhos de pessoas de que gostava muito e que suspeitava quererem dizer que o fim estava próximo. Tinha horror a outros sinais de igual teor: silêncios adicionais no telefone, risadas amarelas e inexplicáveis e caras de paisagem. O pior não é saber que alguém não gosta de você, o pior é não saber que alguém não gosta de você. Se você enche o saco dos outros ou se agrada seu viver. Maldita necessidade de aceitação.

Resolveu se vestir e sair para um rolezinho na rua, quem sabe atrás de uma cerveja, já era meio-dia. Já havia três meses que ele dividia o apartamento com a mulher, uma corretora de imóveis de vinte e seis anos, mais um produto tenro da classe média alta paulistana. O apê era dele, alugado, e ele todo dia se perguntava por que alguém que mexe com imóveis e tem dinheiro não tinha uma casa própria, por que é que eles não compravam o apê deles, ele também era arquiteto e tinha grana sobrando. Talvez ela imaginasse que aquele caso teria vida curta. Talvez ele já fosse história.

Atormentado no sábado de sol lindo da praça Buenos Aires, ele pacificamente caminhava em meio às madames com seus cãezinhos frufru, aqueles bem típicos de madame, poodles com lacinhos, lhasas apso, yorkshires. O cigarro está na boca quando ele passa pela banca de jornal, onde senhores de sessenta anos disputavam espaço pelas notícias esportivas. Ao que parece, o Corinthians enfrentaria o São Paulo naquele dia. Argh, futebol é ridículo. Não compreendia a transferência emocional que toda aquela gente operava em favor de onze homens defendendo tais ou tais cores, sem ligação direta alguma. O Rogério Ceni nem sabia quem eles eram, e estavam ali, falando dele como se o conhecessem de velhos tempos, como se fosse algum amigo perdido de outra encarnação. Era um masoquista clássico, preferia a vida real do sofrimento à vida fantasiosa do êxtase. O que a vida real podia lhe dar era muito mais realizador (desculpado o trocadilho) que os sonhos que poderia sonhar.

Assim, preferia as páginas policiais, também uma moda entre os jornaleiros, ainda mais com os novos serial killers da paulicéia e o vigor jornalístico, beirando o ensaio, com que as publicações mais populares os retratavam. E os nomes hilários. O da vez era um tal de "playboy da morte", um sinistro rapaz que ganhava a confiança de meninas ricas por meses e depois as embebedava em casa, na volta de alguma balada, e as matava com cacos de garrafas usadas. Depois, o doente fazia sexo com os cadáveres cheios de cortes e jogava litros de cerveja por cima das vítimas. Também era o queridinho de cidades alertas e brasis urgentes. Cerveja! Estava precisando de uma mesmo.

Chegou a um pequeno café numa ruazinha de Higienópolis e pediu a cerveja. A Bohemia descia como em poucas vezes. Longa tarde seria essa.

(Continua em uma semana)

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