sexta-feira, julho 29, 2005

Esvaziamento da alma

A névoa fluida
o líquido circular
o som pontuado
a mente leve, leve
e os pés pro ar.

o clima é gostoso
é noite
há jazz
e cerveja pra acompanhar.

Marcus 29/07/05

O Corinthians merece um post

afinal, será campeão brasileiro. Neste ano Galvão Bueno vai poder gritar de novo: acabou, é teeetraaaaa!

Um absurdo os corintianos: o jogo contra o Coritiba será só na semana que vem e os ingressos já estão acabando. Final da Libertadores? Não... só amor. Coisa linda. Como disse o Carlos Alberto (que Deus quer que se recupere), quando questionado por um jornalista português, sobre por que deixaria o então campeão "mundial" Porto para vir jogar no Foguetimão:

"Por que ir para um time do Brasil chamado Corinthians? Saiba que só a torcida deles é maior que a população desse país aqui". É, amigo, somos uma nação de 25 milhões de pessoas. Maior que Chile, Bolívia ou Venezuela. O Bush deveria estar preocupado tb com os caudilhos ditadores e terroristas internacionais que ocupam hoje, como se dizia em outros tempos, o terceiro maior cargo do Brasil (depois, é claro, do presidente do BR e do governador de SP).

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E o segundo Mundial de Clubes já pode ter uma semifinal interessante, entre os brasileiros do São Paulo e os marfinenses do Mimosa. Resta saber se bambis e mimosos vão conseguir jogar sem se confundir.

Soneto da falta de tempo e de você

Imaginei um dia escrever
um soneto sobre esse meu trabalho.
Como lá eu falo, falho, ralo e ralho
para ser o que não queria ser.

Se pensasse então em dar-lhe parecer
diria: com ele à casa do caralho.
Pois as horas nele vazam por um talho
que por vezes segue até amanhecer.

E em todas as noites de pescoção
e em cada dia meu de jornalista
penso só em aonde é que as tardes vão,

onde a lua esconde a tua pista.
Nos momentos ao teu lado que não são
e em ti, tu que não estás aqui em vista.

Marcus 29/07/05

sexta-feira, julho 15, 2005

Um sorriso

para o cara no espelho foi o que bastou para ele sorrir para mim. E, simples assim, começamos bem mais um dia.

Apreciemos mais este presente.

Roberta

te amo.

Percurso em curva

Hoje acertei minha volta ao Esporte da Folha, pelo menos por três semanas. Não, não desisti da vida de diplomata, isso segue firme; minha bolsa, se Deus quiser, volta em setembro; o estudo também.

Mas ando suspeitando novamente que não sou bem o senhor do meu destino, que não controlo como quero as mudanças que planejo para minha vida, que corro para a frente e, depois de muito tempo, percebo que o percurso era em curva... e veja só: cá estamos de volta.

Tá bom, tá bom, a vida anda boa, tou reclamando de graça, o que é normal no ser humano, mas em mim não é tanto. Sigo otimista, é mal hereditário. Claro que sei que tudo vai dar certo, que a volta é só um pouco mais longa para escapar do círculo vicioso. Que a vida anda bem, família, saúde, amor. Algumas amizades andam capengando, outras já se foram, mas é a vida. Ando triste por isso também, se bem que acho que me frustra mais ver que estou profissionalmente no mesmo lugar onde estava dois anos atrás.

Parece um desfecho sinistro de filme de Hitchcock, daqueles que revelam o que você suspeitava, mas não queria que fosse mostrado e, ainda assim, quando viu, ficou surpreso. Ou, bem pior, algum dos episódios bons do Além da Imaginação, que me faziam cagar de medo quando eu era mais novo.

Isso me lembra quando eu era moleque e fui para a Disney. No parque do MGM Studios tem o brinquedo do Além da Imaginação, o famoso elevador que despenca (modelo para os Turbo Drops e Torre Eiffels despencantes da vida). Depois de dar uma volta por lugarzinhos bem sinistros, o elevador entra num corredor, que termina numa porta, e começa o famoso discurso de todo começo de episódio (eu sabia isso de cor quando tinha uns 13 anos):

"There is a fifth dimension beyond that which is known to man.
It is a dimension as vast as space and as timeless as infinity.
It is the middle ground between light and shadow.
Between science and superstition.
And it lies between the pit of man's fears and the summit of his knowledge.
This is the dimension of imagination.

You are entering the twilight zone."

Claro que você fica curioso, quer saber o que é que a imaginação pode revelar de novo. Uma porta se abre e o elevador entra. Lá dentro está tão escuro que você não consegue olhar nem seu próprio braço. Aí o narrador volta e fala:

"You are about to discover what lies beyond the fifth dimension.
Beyond the deepest, darkest corner of imagination."

De repente as luzes se acendem, e você percebe que a única coisa que a imaginação te revelou é o medo que você sente. Afinal, você já sabia que a queda viria (é o grande atrativo dessa "ride"), mais cedo ou mais tarde.

Você se encontra de frente para uma parede, e eles ainda te dão um segundo para você saborear o pânico antes de mergulhar no terror.

sexta-feira, julho 08, 2005

Merda

de terroristas filhos da puta. Merda de guerras inúteis, de milhões de litros de sangue inutilizado.

Só mais um dele

antes que fique chato:

Aforismo 275
"Quem não quer ver o que há de elevado num homem, olha tanto mais agudamente para o que nele é baixo e superficial --e, com isso, se revela."

Puras frustrações

(De quem já planejou mais de vinte viagens diferentes pela Europa e nunca fez nenhuma delas.)

Quando eu era menor, tinha medo de fazer viagens longas porque temia que, quando eu voltasse, tudo estivesse diferente e, pior, sem lugar pra mim. É verdade que tudo é relativo: para quem fica, é como se nada mudasse, de tão gradual que isso acontece, embora, no final, tudo mude horrores; para quem vai, ir é sempre um dilema quando a vida está boa, e uma necessidade quando está ruim.

Que ninguém se engane, portanto, com relação às mudanças que a distância opera (ainda mais quando ela se alia ao tempo): elas são muitas.

Ainda assim, há pessoas, como eu, que possuem uma fome absurda de viajar, uma curiosidade com relação a tanto mundo que há por aí, que não se importam com a maior parte das mudanças para pior. Afinal, a vida é só uma, uma grande viagem, e a nostalgia, ainda que faça bem para a lembrança, costuma fazer mal para o futuro. Cada coisa a seu tempo, cada fase na sua hora. Porque sempre que a gente diz "está tão bom que não pode mudar", segundo a Lei de Murphy, vem a hora exata em que a coisa muda. Viver na felicidade implica estarmos sempre abertos a mudanças e vivermos cada fase na vida como única. Embora, é claro, certas coisas a gente queira para sempre (os grandes amores!)

Bem, sei que estou divagando demais hoje, na verdade só queria falar que é absurdo o número de amigos meus que se encontram na Europa, fiz uma contabilidade rápida pelo Orkut e pela memória. Há onze amigos meus morando em Paris (mais dois na França); cinco em Londres (mais dois na Inglaterra); na Espanha, quatro em Barcelona, dois em Madri; três na Itália; dois em Portugal; dois em Berlim, e mais seis espalhados pela Alemanha; um na Bégica, um na Dinamarca, um na Holanda, um na Suécia. Enfim, devo ter esquecido de algum, mas contei nada menos que 43 amigos morando só na Europa, isso sem contar as Austrálias e "Americas".

É bem como eu falo quando bate a tristeza, "só eu fico aqui". Mas, também, quando for, já vi que tenho muito lugar pra ficar.

terça-feira, julho 05, 2005

Dois aforismos de Nietzsche

Não sei por que razão, talvez por estar com o tempo sobrando um pouquinho (mas não só isso), resolvi reler um dos livros de que mais gosto, o "Além do Bem e do Mal", de Nietzsche, o filósofo que, já disseram em algum lugar, era tanto antitotalitário como antidemocrático.

À parte todos os desvios posteriores que fizeram de seus pensamentos, e tirando o fato de que, para mim, ele foi um machista doente (mas eram outros tempos), Nietzsche sempre foi contra o nacionalismo e chegou a ridicularizar os alemães como homens "que introduziram no lugar da cultura a loucura política e nacional (...) e que só sabem obedecer pesadamente, disciplnados como uma cifra oculta em um número", bem como romper com Wagner por causa da questão do anti-semitismo. Então nem me venham falar que ele era precursor do nazismo. Prefiro pensar nele como crítico da moral cristã, um perspectivista, um precursor do existencialismo e da psicanálise e, acima de tudo, um filósofo bem-humorado.

Bom, posto isso, aí vão os dois pensamentos. Gosto de citar, afinal citar é simplesmente colocar a nosso dispor o que séculos de sabedoria e de homens brilhantes puderam compilar. Um acerca da relatividade da questão da falsidade (aforismo 4, o primeiro que fala em "além do bem e do mal" -> o outro é o 153, que diz que "o que se faz por amor sempre acontece além do bem e do mal"-- pronto, já citei outro) e outro sobre a questão do impulso (Trieb, aforismo 158), que eu relaciono muito com uma coisa que sempre segui e na qual ando pensando bastante: hedoné, grego para "prazer", e sua busca incessante, o hedonismo. As observações entre colchetes são minhas.

Aforismo 4
"A falsidade de um juízo não chega a constituir, para nós, uma objeção contra ele; é talvez nesse ponto que a nossa nova linguagem soa mais estranha. A questão é em que medida ele promove ou conserva a vida, conserva ou até mesmo cultiva a espécie [como isso lembra o Peter Singer!] ; e a nossa inclinação básica é afirmar que os juízos mais falsos (entre os quais os juízos sintéticos a priori) nos são os mais indispensáveis, que, sem permitir a vigência de ficções lógicas, sem medir a realidade com o mundo puramente inventado do absoluto, do igual a si mesmo, o homem não poderia viver --que renunciar aos juízos falsos equivale a renunciar à vida, negar a vida. Reconhecer a inverdade como condição de vida; isto significa, sem dúvida, enfrentar de maneira perigosa os habituais sentimentos de valor; e uma filosofia que se atreve a fazê-lo se coloca, apenas por isso, além do bem e do mal."

Aforismo 158
"Ao nosso impulso mais forte, o tirano em nós, submete-se não apenas nossa razão, mas também nossa consciência."

domingo, julho 03, 2005

Sobre o caso Projetagate

Nada pior que a estanquidade da burocratização e a exclusão silente, cômoda e inerte. Um viva às novas idéias cheias de vida, quaisquer que sejam. E um basta ao falso moralismo de confessionário, aquele que procura à noite justificativas para nossas derrotas e frustrações.

Que venha abaixo o vitimismo. Afinal, as únicas possíveis vítimas do ímpeto irrefreável de acusar e do dedo que não hesita antes de ficar irremediavelmente apontado são as amizades, que definham.

Pássaro de cativeiro

Sempre houve, basicamente, dois tipos de pássaros no mundo: os livres por natureza e os de cativeiro.

Contrariando o entendimento geral que diz que todos os animais são por natureza livres, alguns desses bichos mostram sim uma intensa vontade de assentamento, que acaba por se materializar no cativeiro. Afinal, a mesma gaiola que limita e prende é a que dá chamego, proteção e a garantia de sobrevivência e de alimento. E tudo em troca de um assobio aqui, uma exibiçãozinha de beleza ali.

Não se trata tampouco de uma questão de nascimento ou costume. Há muitos pássaros que nasceram no cativeiro e, mesmo nunca tendo conhecido outra coisa, são infelizes. Outros que tiveram o sereno e o vento fresco como companheiros de uma vida toda e, tarde, descobrem que queriam é ter ficado presos. Outros que são felizes como sempre foram.

No mundo real, tudo pode ser mais divertido, mais sortido, mais colorido, mas também é mais difícil e mais angustiante. É claro que as cores, as formas e os ares são sempre mais variados e, possivelmente, mais contagiantes. Mas os predadores estão sempre por aí --é a lei da natureza--, e nunca se sabe quando uma armadilha qualquer acaba com a sua vida. E as noites sem alimento, que também matam, são uma possibilidade real. No mundo há tantos ares diferentes quanto donos de gaiola à procura de passarinhos para o embelezamento de suas tardes. Trata-se, portanto, de uma escolha.

E esse passarinho, que nascera livre, tinha decidido desde que se vira consciente: queria a todo custo uma gaiola.

Que não se pense que é simples achar uma, há muitas que se confundem com armadilhas. Outras são tão precárias ou tão frágeis que não vale a pena deixar-se prender. Nessa procura intensa ficou o passarinho, sem dar muita bola para as conquistas da liberdade que tinha, das cores, dos sons, dos ares. Bobagens para os sentidos. O que interessava para ele era ter um lugar para chamar de seu.

Depois de muita procura, eis que ele a achou. Era bonita, bem vistosa, o Trill que o dono colocava para comer era excelente, daqueles que dá vontade de comentar com os amigos. Ah, amigos o passarinho tinha de monte. Se, de início, todos os momentos da vida do animal eram passadas na gaiola, no fim, por causa deles, o passarinho começou a fugir dali às vezes, o que deixou o dono preocupado. Mas não se preocupe, dizia o penoso para ele, pois aqui é meu lugar e para cá sempre voltarei...

Nas revoadas com os amigos, o passarinho começou, enfim, a ter gosto pela liberdade. O sol era bonito; a lua, encantadora. O néctar de diferentes flores, o sabor da carne de pequenos animais, o ar fresco na cara. Mas se mantinha fiel a seu dono e a sua gaiola, ao velho e bom Trill e à cantoria para seu dono --e era para lá que ele voltava todas as noites.

As escapadas noturnas do passarinho para ver os amigos, no entanto, tiraram a tranqüilidade por completo do coração do dono. Ele então começou a tratar o passarinho mal, a criar outros passarinhos de forma mais carinhosa e a descuidar da manutenção de sua gaiola. Depois de muito resistir, sofrendo calado, resolveu fugir de lá em definitivo. O dono, percebendo o erro em que incorrera, chamou-o de volta. Em vão. Pois, afinal, não era pela mudança de comportamento do humano que ele deixou sua vida confortável. Não. Era porque tinha finalmente tomado gosto pela liberdade, e quanto.

Ganhando os ares, foi impulsionado pelos sete ventos, entrou em inúmeros buracos nas árvores, viu o azul do lago, o amarelo do ipê, o verde do campo. Comeu frutas, que eram um verdadeiro banquete, vermes, que não eram de todo maus, e o lixo dos humanos, meio insalubre. Dormia em buracos, sob a copa das árvores ou ao ar livre. Aprendera também a desviar dos gaviões mais óbvios e violentos, bem como de diversos predadores da terra. Não se importava, no entanto. O perigo é o preço da escolha.

No mundo há muitos lugares diferentes, e o engraçado é que os pássaros reagem a esses lugares de maneira diferente também. Nenhuma clareira é igual à outra, nenhum penhasco é visto do mesmo jeito que o precipício anterior. Pode às vezes ser parecido, mas o pensamento do passarinho ao apreciar aquele lugar diferente é sempre diferente, às vezes até ao apreciar o mesmo lugar duas vezes, aquela história do Heráclito.

Mesmo com a multiplicidade de lugares, a liberdade não é soberana, sofre perigos, ameaças. As mais contundentes são as impostas por lugares bonitos demais. Muitas vezes, um passarinho se apaixona seja por sua beleza, por seu aconchego, pela sua tranqüilidade ou até por seu agitamento.

E se passaram inúmeros dias, melhor, vários anos, para que isso acontecesse com o passarinho. Mas, de alguma maneira, ocorreu e a tal liberdade virou novamente vítima. E, mesmo sabendo do perigo que era se ater a um só lugar novamente, resolveu ficar, desta vez menos pelo sentimento geral de segurança e mais pela beleza específica que via no lugar e pela conseqüente paixão irrefreável que via nascer dentro de si.

Mas o lugar pelo qual o passarinho se apaixonou até o fim da vida era realmente muito estranho: um labirinto. E, embora não se cansasse de conhecer o labirinto, a cada dia uma novidade (era quase como a liberdade confinada), isso começou a incomodá-lo. O desconhecimento é uma fonte para muita insegurança, ainda mais quando o destino de sua vida é depositado em um lugar específico. Mas o labirinto era grande demais, ele não apressaria esse conhecimento nem que quisesse.

E, mesmo tomando sustos --às vezes desagradáveis-- atrás das paredes e esquinas do labirinto, o passarinho ali seguiu pelo resto de seus dias. Abraçou a insegurança cativante e fez dela uma companheira inseparável por toda a vida. Perdeu-se inúmeras vezes, afinal, assim são construídos os labirintos. Não que sejam intrinsecamente maus ou bons: simplesmente a magnitude e a complexidade são parte integrante de sua beleza, fazem parte de sua natureza --assim como o passarinho já tinha querido a gaiola e lá sido feliz. Bem, ele passou o resto da vida no labirinto, e acabou por perceber que todo seu quinhão de vida era muito pequeno para conhecer por inteiro aquele lugar.

Assim, seu último pensamento, velho e moribundo, evidenciou uma dúvida: não se lembrava de como tinha entrado ali pela primeira vez, nem muito menos de onde era a saída. Na verdade nunca a havia procurado, portanto não sabia se teria podido encontrá-la. Mesmo que fundamentalmente seu ingresso tenha sido uma escolha consciente, sua eventual saída não; até o fim, ele permaneceu ignorante sobre se tinha vivido até a morte como um livre apreciador do desconhecido aprisionante ou o como prisioneiro desconhecido de uma apreciada liberdade.

Mas não fazia diferença, porque o mais importante ele tinha conseguido. Morreu feliz.

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Conto escrito em 13/04/05